Ele é impaciente, não presta atenção, não segue instruções, é esquecido e ainda contamina toda a classe com sua impulsividade. Reconheceu esses sintomas em alguns de seus alunos? Pode ser que ele seja um portador do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), ou não. O diagnóstico não é tão simples e deve ser feito por um médico. O TDAH é uma das doenças psiquiátricas mais comuns na infância e frequentemente persiste até a idade adulta. A prevalência do transtorno é de aproximadamente 5,29% na população, segundo estudos, com predomínio no sexo masculino. De acordo com o médico psiquiatra Carlos Renato Moreira Maia, pesquisador do Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade (ProDAH) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o TDAH é caracterizado por sintomas de falta de atenção e/ou hiperatividade e impulsividade (ver box), que causam prejuízos ao indivíduo em ao menos dois ambientes – em casa e na escola, por exemplo.
Maia explica que o diagnóstico do transtorno é clínico, ou seja, é baseado na descrição dos sintomas relatados pelo indivíduo, seus pais ou outras pessoas de seu convívio, professores e educadores. “Conforme o Manual de Diagnóstico e Estatística – IV Edição (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria, são necessários seis sintomas de desatenção e/ou seis sintomas de hiperatividade/impulsividade. Para que se estabeleça o diagnóstico de TDAH, esses sintomas devem ser mais frequentes e severos do que o esperado para a faixa etária do indivíduo”, observa o médico, mestre e doutorando em Psiquiatria e especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência. Além disso, continua Maia, é necessário que tais sintomas estejam presentes antes dos 7 anos de idade, causando prejuízo à criança em dois ou mais ambientes, e que não sejam justificados por algum outro transtorno mental. “É importante destacar que não existem exames que estabeleçam o diagnóstico, como exames de sangue, imagem ou eletroencefalograma”, completa.
Maia também alerta que, por se tratar de uma doença, o diagnóstico só pode ser feito por um médico, preferencialmente com experiência em TDAH (psiquiatra da Infância e Adolescência, neurologista infantil ou pediatra). “Existem outras doenças psiquiátricas com sintomas semelhantes ao TDAH, mas somente profissionais experientes conseguem fazer o diagnóstico diferencial”, adverte.
Frente a um problema tão complexo, como o professor deve agir? O psicólogo Ronaldo Ferreira Ramos, diretor executivo da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), ressalta que o professor é um dos primeiros a identificar o comportamento diferenciado da criança. “Geralmente é na escola que as crianças com TDAH apresentam os primeiros sintomas do transtorno, porque têm que ficar sentadas, obedecer a regras, se concentrar”, comenta. E orienta que a primeira coisa a ser feita nesses casos é chamar os pais para conversar e sugerir que busquem ajuda de um especialista.
Ainda segundo Ramos, assim que a criança for diagnosticada deve ter início um acompanhamento multidisciplinar que, na opinião dele, pode contar com um terapeuta, um psiquiatra infantil ou outro médico conforme a necessidade. “A partir do momento que é iniciado o tratamento, a melhora na escola e na vida social da criança é visível”, enfatiza, elencando entre os benefícios obtidos a melhora na autoestima, na socialização e na concentração.
Na escola
Para Bárbara Delpretto, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), educadora especial e Mestre em Educação, o professor pode e deve realizar uma avaliação “enquanto processo e ato que permite valorizar se há o acesso aos saberes culturais por parte do aluno, e que estão na base da aprendizagem escolar. Neste sentido, falamos de avaliações distintas, realizadas por diferentes profissionais”.
Para que o professor possa realmente ajudar esse aluno, primeiramente deve procurar se informar sobre as características do TDAH. “É a partir deste conhecimento que há a possibilidade de ajustamento dos métodos e da temporalidade das atividades escolares, tornando-as mais acessíveis”, explica Bárbara. Após o conhecimento inicial dessa necessidade especial, ela recomenda que o professor registre o comportamento do aluno no horário de aula quanto à irritabilidade, à inquietude e à agitação. E acrescenta: “se o aluno demonstra conhecer o conteúdo, mas não consegue terminar todas as atividades devido a algumas destas características observadas frequentemente, é possível que haja a perda da atenção por fatores não somente ambientais. O déficit de atenção/hiperatividade é um quadro psicopatológico complexo e que afeta todo o desenvolvimento psicoemocional, cognitivo e social do sujeito, e por esta razão, a intervenção junto a ele deve ocorrer em diversas dimensões”.
O psiquiatra Carlos Maia ressalta que os docentes devem estar cientes de que são pessoas importantíssimas nesse processo. “Os professores têm a oportunidade de detectar as alterações no comportamento da criança, quando comparada a outros indivíduos da mesma faixa etária”, considera. O médico também salienta que, em uma sala com aproximadamente 30 alunos ou mais, os que apresentam TDAH não são somente aqueles com comportamento mais hiperativo, mas também aquelas crianças quietas e pouco participativas, que muitas vezes não são percebidas até que apresentem importantes dificuldades escolares.
Ele reforça que o TDAH é uma doença, e não um problema de caráter ou personalidade: “o comportamento hiperativo/impulsivo não é proposital, e melhora significativamente com o tratamento adequado. Ao perceberem uma criança com características compatíveis com TDAH devem pedir aos pais que providenciem uma avaliação psiquiátrica adequada. A observação dos professores poderá ser fundamental para o futuro dessas crianças”.
Rotina escolar
O presidente da ABDA acredita que a escola – e também a família – precisa estar preparada para lidar com essas crianças. “Os pais e os professores devem ter muita informação sobre o transtorno, quanto maior o grau de informação, melhor. E os pais devem conversar com os professores, saber se eles estão informados sobre o assunto e, se não conhecem, devem pedir que procurem orientação. Pais e professores devem manter diálogo constante, a fim de contribuir para o aprendizado e o desenvolvimento dessa criança”, afirma.
A professora Bárbara concorda que os profissionais que acompanham o aluno na escola e a família devem buscar informações sobre o desenvolvimento, o comportamento, os interesses e avanços do aluno em questão. “Isso para que possam celebrar as melhorias no tratamento e o ganho obtido na qualidade de vida. Ou mesmo para que possam analisar a necessidade de readequação do tratamento em vistas à rotina escolar e às demandas e atividades desenvolvidas por ele neste espaço”, observa.
A educadora afirma que o acompanhamento do aluno com TDAH por uma equipe multiprofissional tende a colaborar para que o trabalho em diversas dimensões tenha sucesso. “Mas reforço que é sempre fundamental que estes profissionais conversem, ouvindo o que o sujeito e a família têm a falar”, reafirma. E exemplifica dizendo que, muitas vezes, a medicação dada ao aluno, variando de acordo com a posologia, o deixa sem energia no período de aula. Neste sentido, é necessário indicar essas características comportamentais à família para que ela e o médico que acompanha o aluno possam verificar se existem outras possibilidades que não interfiram negativamente nas atividades e na saúde do estudante.
Ela ainda enfatiza que cabe aos pais ou responsáveis pelo aluno reger o equilíbrio que deve haver entre os diferentes profissionais em atuação, indicando as prioridades desejadas a partir das necessidades observadas na criança, proporcionando, assim, ambientes estruturados para a convivência sadia. “Os pais também precisam buscar por informações a respeito do transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, de modo que possam adequar as possíveis exigências domésticas a estas necessidades, proporcionando a ela [criança] um espaço adequado para o seu desenvolvimento”, finaliza.
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