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segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A literatura africana pede passagem

A literatura africana pede passagem

A produção contemporânea do continente inspira a escrita de contos maravilhosos

Descrição: A literatura africana pede passagem. Elisa Carareto
O realismo fantástico e a linguagem alegórica do moçambicano Mia Couto. A nostalgia pela infância e as expressões regionais do angolano Ondjaki. O mosaico cultural e a recriação de mitos tradicionais do também angolano Pepetela. Uma rápida enumeração de escritores africanos de língua portuguesa mostra quão diversificada é a literatura do continente. Apesar de culturalmente tão multifacetada, a África ainda é associada a um todo homogêneo ou até a um único país. Era o que pensava o 7º ano da EE Professor José Jorge do Amaral, em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo. Identificando essa percepção, a professora Silvia Luciana Montoro propôs uma sequência didática de leitura de grandes autores e de escrita de contos maravilhosos inspirados neles. 

Para começar, Silvia sugeriu uma discussão sobre a África. Levou um mapa para que todos conhecessem os países que fazem parte dela. Em seguida, explicou que, dentro da pluralidade da literatura do continente, havia escolhido representantes dos países de língua portuguesa para que lessem juntos. "Há a vertente francófona, a árabe, a egípcia, a sul-africana, entre outras. É importante que os alunos saibam que a lusófona é um recorte dentro de todas essas possibilidades", explica André Luis Rosa e Silva, autor de materiais sobre a temática africana. Dividida em grupos de cinco integrantes, a turma pesquisou a vida e a obra dos nomes citados, dos angolanos José Luandino Vieira e José Eduardo Agualusa, dos moçambicanos Paulina Chiziane e José João Craveirinha e do cabo-verdiano Abrãao Vicente, entre outros, e compartilhou as informações. 

Na etapa seguinte, alguns textos foram lidos e discutidos. A turma teve bastante dificuldade no início. "Para não afastar os leitores mais inexperientes, é possível organizar as leituras pensando em uma gradação de desafios", explica Manuela Prado, professora de Língua Portuguesa do Colégio Santa Cruz, em São Paulo. A primeira foi o conto O Cesto (O Fio das Missangas, Mia Couto, 152 págs, Ed. Companhia das Letras, tel. 11/3707-3500, 37 reais). Todos conversaram sobre as ações das personagens, iniciando a análise dos elementos da narrativa. Silvia indicou o conflito, o clímax, as figuras de linguagens, os ditados populares e os neologismos presentes, explicando sobre essas estruturas. Também apresentou a definição da palavra "cesto", retirada de um dicionário de símbolos. Os estudantes relacionaram a leitura às novas informações. Assim, começaram a entender melhor e apreciar a escrita de Mia Couto.
No conto Inundação, do mesmo livro, os alunos deveriam ficar atentos às figuras de linguagem que haviam aprendido anteriormente, como a metáfora, a comparação e a antítese. Também tinham que fazer relações entre o título e o enredo, discutir o desfecho e o clímax da história. Enquanto isso, Silvia pontuava as respostas. A classe também analisou A Fronteira do Asfalto (A Cidade e A Infância, Luandino Vieira, 136 págs, Ed. Companhia das Letras, tel. 11/3707-3500, 36 reais), destacando as ações das personagens e o contexto histórico. Silvia chamou a atenção para a descrição do espaço, fazendo com que todos refletissem sobre como os autores estudados inseriram poeticamente a realidade de Angola e Moçambique em suas obras. 

Continuando as descobertas sobre a África, a professora exibiu o documentário Cartas para Angola
(https://www.youtube.com/watch?v=w6J7tFkJ8RI) , que mostra a troca de correspondências entre brasileiros e angolanos. Cada um redigiu um relato destacando o que achou interessante no vídeo.
Uma lição de mãe 

(...) 
Ashanti ficou com aquelas palavras ecoando em sua cabeça. Acariciou Kito com toda sua força e amor, observando o espetáculo que a noite proporcionara, com as estrelas dançando ao redor da prata que escorregava da lua. 
Ao primeiro sorriso do sol, depois daquela conversa, os elefantes marcharam sem olhar para mãe e filho. 
Após alguns dias, Kito já não tinha mais forças, ele não se alimentara há dias e caiu diante da mãe. 
(...) 
A noite cobriu-os com seu manto estrelado. 
Texto produzido pelos alunos: Carlos Daniel da Silva Dias, Leticia Reis de Souza, Lorraine Alves Silva, Luana Giovana Gava, Melissa de Oliveira Fernandes e Thais Cristina da Silva Bastos
Contos criativos e sensíveis 

Para expandir a percepção sobre a estrutura dos textos que iriam redigir, a educadora apresentou as funções presentes nesse gênero propostas em
 Morfologia do Conto Maravilhoso(Wladimir Propp, 288 pág, Ed. Forense Universitária, tel. 11/5080-0751, 71 reais). O livro apresenta acontecimentos comuns desse tipo de narrativa, como o casamento do herói, o fato de ele receber uma tarefa difícil ou ter acesso a um objeto mágico. 

Silvia entregou cópias de obras como
 Contos do Nascer da Terra (Mia Couto, 272 págs, Ed. Companhia das Letras, tel. 11/3707-3500, 39 reais) e O Fio das Missangas, além de edições digitais, como A Menina Sem Palavras (Mia Couto, 160 págs, Ed. Companhia das Letras, tel. 11/3707-3500, 24,50 reais). Pediu aos alunos que escolhessem um deles para analisar em grupos de cinco integrantes e criassem apresentações com slides para mostrar ao restante da garotada suas impressões sobre o livro escolhido, citando os elementos da narrativa, as características do autor, a intertextualidade e as simbologias contidas nas produções. 

Quando a garotada foi convidada a elaborar suas próprias criações literárias, escolheu pesquisar sobre os animais das savanas, pois eles seriam os personagens de suas histórias. Com a ajuda de Silvia, os grupos de cinco ou seis integrantes planejaram o trabalho. Eles deveriam definir a ideia central, os personagens, os fatos marcantes, preparar o conflito, as ações do protagonista e do vilão. A professora ensinou a classe a usar o Google Docs, que permite que várias pessoas escrevam simultaneamente à distância.
 

No encontro seguinte, a turma foi ao laboratório de informática fazer a edição final e a revisão dos textos, auxiliada pela educadora. Tudo foi organizado em um livro digital, construído com aplataforma Calaméo. Ele, assim como outros materiais, foi para o
 blog, construído coletivamente ao longo do projeto. "Isso permite acompanhar as produções e o desenvolvimento gradual de todos durante as atividades", explica Manuela. Ao fim do projeto, Silvia se surpreendeu com os bons resultados. "Os alunos livraram-se dos preconceitos sobre a África, tornaram-se autônomos na escrita e escreveram contos cheios de sensibilidade", comemora a docente.
Descrição: A literatura africana pede passagem. Elisa Carareto
Por aqui passou Kandy 

(...)
 
Mas Kandy não era diferente ele era especial, todos da aldeia dependiam dele, mas não sabiam. Ele tinha uma missão que era imposta para cada coração puro de sua família.
 
(...)
 
- Kandy se arrume, chegou sua hora, disse o avô.
 
- Mas vovô, não estou pronto.
 
- Kandy, você já nasceu pronto sua força brota dentro de ti e não há leão que há tire de você. Mesmo assim, leve contigo este amuleto. Vá, seu guia o espera.
 
(...) Kandy e Flor continuaram seus caminhos.
Kandy sabia que seu destino o esperava num lugar bem distante.
 
Texto produzido pelos alunos: Ayrton Melo Ferreira, Cauã Baleeiro Silva, Gabriel de Oliveira Pinheiro, Matheus da Silva Alves e Marisvaldo Santos Gomes
1 Repertório variado Selecione exemplos da literatura africana lusófona, pensando numa gradação de desafios: textos mais simples seguidos por outros de maior fôlego. Proponha a leitura deles à classe. 

2 Reflexão sobre a língua
 Com base nas obras lidas, sugira uma discussão sobre os elementos da narrativa de cada uma. 

3 Produção textual
 Apresente referências relacionadas ao gênero conto maravilhoso e proponha uma produção textual. Antes da atividade, ajude a garotada a fazer o planejamento da escrita.

Henri Wallon, o educador integral

Henri Wallon, o educador integral

Militante apaixonado, o médico, psicólogo e filósofo francês mostrou que as crianças têm também corpo e emoções (e não apenas cabeça) na sala de aula

Descrição: Henri Wallon. Foto: Roger Viollet
Henri Wallon
Falar que a escola deve proporcionar formação integral (intelectual, afetiva e social) às crianças é comum hoje em dia. No início do século passado, porém, essa idéia foi uma verdadeira revolução no ensino. Uma revolução comandada por um médico, psicólogo e filósofo francês chamado Henri Wallon (1879-1962). Sua teoria pedagógica, que diz que o desenvolvimento intelectual envolve muito mais do que um simples cérebro, abalou as convicções numa época em que memória e erudição eram o máximo em termos de construção do conhecimento. 
Wallon foi o primeiro a levar não só o corpo da criança mas também suas emoções para dentro da sala de aula. Fundamentou suas idéias em quatro elementos básicos que se comunicam o tempo todo: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa. Militante apaixonado (tanto na política como na educação), dizia que reprovar é sinônimo de expulsar, negar, excluir. Ou seja, "a própria negação do ensino". 

As emoções, para Wallon, têm papel preponderante no desenvolvimento da pessoa. É por meio delas que o aluno exterioriza seus desejos e suas vontades. Em geral são manifestações que expressam um universo importante e perceptível, mas pouco estimulado pelos modelos tradicionais de ensino.

Afetividade 

As transformações fisiológicas em uma criança (ou, nas palavras de Wallon, em seu sistema neurovegetativo) revelam traços importantes de caráter e personalidade. "A emoção é altamente orgânica, altera a respiração, os batimentos cardíacos e até o tônus muscular, tem momentos de tensão e distensão que ajudam o ser humano a se conhecer", explica Heloysa Dantas, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), estudiosa da obra de Wallon há 20 anos. Segundo ela, a raiva, a alegria, o medo, a tristeza e os sentimentos mais profundos ganham função relevante na relação da criança com o meio. "A emoção causa impacto no outro e tende a se propagar no meio social", completa a pedagoga Izabel Galvão, também da USP. Ela diz que a afetividade é um dos principais elementos do desenvolvimento humano.
Wallon na escola: humanizar a inteligência
Descrição: Desenho ilustra a proporção do corpo: pessoa como um todo
Desenho ilustra a proporção do corpo: pessoa como um todo
Diferentemente dos métodos tradicionais (que priorizam a inteligência e o desempenho em sala de aula), a proposta walloniana põe o desenvolvimento intelectual dentro de uma cultura mais humanizada. A abordagem é sempre a de considerar a pessoa como um todo. Elementos como afetividade, emoções, movimento e espaço físico se encontram num mesmo plano. As atividades pedagógicas e os objetos, assim, devem ser trabalhados de formas variadas. Numa sala de leitura, por exemplo, a criança pode ficar sentada, deitada ou fazendo coreografias da história contada pelo professor. Os temas e as disciplinas não se restringem a trabalhar o conteúdo, mas a ajudar a descobrir o eu no outro. Essa relação dialética ajuda a desenvolver a criança em sintonia com o meio.
 Movimento 

Segundo a teoria de Wallon, as emoções dependem fundamentalmente da organização dos espaços para se manifestarem. A motricidade, portanto, tem caráter pedagógico tanto pela qualidade do gesto e do movimento quanto por sua representação. Por que, então, a disposição do espaço não pode ser diferente? Não é o caso de quebrar a rigidez e a imobilidade adaptando a sala de aula para que as crianças possam se movimentar mais? Mais que isso, que tipo de material é disponibilizado para os alunos numa atividade lúdica ou pedagógica? Conforme as idéias de Wallon, a escola infelizmente insiste em imobilizar a criança numa carteira, limitando justamente a fluidez das emoções e do pensamento, tão necessária para o desenvolvimento completo da pessoa. 

Estudos realizados por Wallon com crianças entre 6 e 9 anos mostram que o desenvolvimento da inteligência depende essencialmente de como cada uma faz as diferenciações com a realidade exterior. Primeiro porque, ao mesmo tempo, suas idéias são lineares e se misturam - ocasionando um conflito permanente entre dois mundos, o interior, povoado de sonhos e fantasias, e o real, cheio de símbolos, códigos e valores sociais e culturais.

Nesse conflito entre situações antagônicas ganha sempre a criança. É na solução dos confrontos que a inteligência evolui. Wallon diz que o sincretismo (mistura de idéias num mesmo plano), bastante comum nessa fase, é fator determinante para o desenvolvimento intelectual. Daí se estabelece um ciclo constante de boas e novas descobertas. 
O eu e o outro 

A construção do eu na teoria de Wallon depende essencialmente do outro. Seja para ser referência, seja para ser negado. Principalmente a partir do instante em que a criança começa a viver a chamada crise de oposição, em que a negação do outro funciona como uma espécie de instrumento de descoberta de si própria. Isso se dá aos 3 anos de idade, a hora de saber que "eu" sou. "Manipulação (agredir ou se jogar no chão para alcançar o objetivo), sedução (fazer chantagem emocional com pais e professores) e imitação do outro são características comuns nessa fase", diz a professora Angela Bretas, da Escola de Educação Física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. "Até mesmo a dor, o ódio e o sofrimento são elementos estimuladores da construção do eu", emenda Heloysa Dantas. Isso justifica o espírito crítico da teoria walloniana aos modelos convencionais de educação.

Biografia

Henri Wallon nasceu em Paris, França, em 1879. Graduou-se em medicina e psicologia. Fez também filosofia. Atuou como médico na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ajudando a cuidar de pessoas com distúrbios psiquiátricos. Em 1925, criou um laboratório de psicologia biológica da criança. Quatro anos mais tarde, tornou-se professor da Universidade Sorbonne e vicepresidente do Grupo Francês de Educação Nova - instituição que ajudou a revolucionar o sistema de ensino daquele país e da qual foi presidente de 1946 até morrer, também em Paris, em 1962. Ao longo de toda a vida, dedicou-se a conhecer a infância e os caminhos da inteligência nas crianças. Militante de esquerda, participou das forças de resistência contra Adolf Hitler e foi perseguido pela Gestapo (a polícia política nazista) durante a Segunda Guerra (1939-1945). Em 1947, propôs mudanças estruturais no sistema educacional francês. Coordenou o projeto Reforma do Ensino, conhecido como Langevin-Wallon - conjunto de propostas equivalente à nossa Lei de Diretrizes e Bases. Nele, por exemplo, está escrito que nenhum aluno deve ser reprovado numa avaliação escolar. Em 1948, lançou a revista Enfance, que serviria de plataforma de novas idéias no mundo da educação - e que rapidamente se transformou numa espécie de bíblia para pesquisadores e professores.
Um mundo em crise
Descrição: Soldados celebram o fim da Primeira Guerra em Paris: conflitos em série. Foto: HULTON ARCHIVE/Getty Images
Soldados celebram o fim da Primeira Guerra  em Paris: conflitos em série.
Crises sociais e instabilidades políticas foram fundamentais para o francês Henri Wallon construir sua teoria pedagógica. As duas grandes guerras mundiais, o avanço dos regimes fascista e nazista na Europa, a revolução comunista na Rússia e as guerras pela libertação das colônias africanas, na primeira metade do século 20, serviram de estímulo para que ele organizasse suas idéias. A valorização da afetividade (emoções) como elemento essencial no desenvolvimento da pessoa trouxe um novo alento à filosofia da educação. Isso explica, em parte, a visão marxista que deu à sua obra e por que aderiu, no período anterior à Primeira Guerra, aos movimentos de esquerda e ao Partido Socialista Francês. "Ditadura e educação", dizia ele, "são inimigos eternos."
Para pensar 
A teoria de Henri Wallon ainda é um desafio para muitos pais, escolas e professores. Sua obra faz uma resistência contumaz aos métodos pedagógicos tradicionais. Numa época de crises, guerras, separações e individualismos como a nossa, não seria melhor começar a pôr em prática nas escolas idéias mais humanistas, que valorizem desde cedo a importância das emoções?
Quer saber mais?
Henri Wallon: uma Concepção Dialética do Desenvolvimento Infantil, Izabel Galvão, 136 págs., Ed. Vozes,
tel. (24) 2246-5552, 20 reais 
A Infância da Razão: Uma Introdução à Psicologia da Inteligência de Henri Wallon, Heloysa Dantas, 112 págs., Ed. Manole, tel. (11) 4196-6000 (edição esgotada) 
As Origens do Caráter na Criança, Henri Wallon, 278 págs., Ed. Nova Alexandria, tel. (11) 5571-5637
(edição esgotada) 
As Origens do Pensamento na Criança, Henri Wallon, 540 págs., Ed. Manole (edição esgotada) 
Piaget, Vygotsky e Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão, Yves de la Taille, Marta Kohl de Oliveira e Heloysa Dantas, 120 págs., Summus Editorial, tel. (11) 3865-9890, 26,90 reais

Autoavaliação: como ajudar seus alunos nesse processo

Autoavaliação: como ajudar seus alunos nesse processo

A reflexão sobre o próprio desempenho é um meio eficiente para o aluno aprender a identificar e corrigir seus erros. Nesse caminho, o papel do professor é essencial

Descrição: Foto: Rodrigo Erib
REVENDO POSTURAS Na pré-escola da Escola da Vila, a autoavaliação oral é o caminho para cumprir combinados. Foto: Rodrigo Erib
Ao término de cada bimestre, você reserva alguns minutos de aula para que cada aluno reflita sobre o que estudou e como fez isso. Numa ficha com uma série de itens, é preciso responder a perguntas sobre comportamento, procedimentos de estudo e conteúdos. No fim, cada um atribui uma nota a si próprio, que você vai considerar na média da disciplina. "Até que a turma reconhece as próprias falhas!", você se surpreende. Mas, nos meses seguintes, a garotada não corrige os deslizes que apontou na autoavaliação. Por que isso ocorre? 

A intenção foi a melhor possível: a abertura para o diálogo na avaliação é uma medida interessante tanto para o estudante tomar consciência de seu percurso de aprendizagem e se responsabilizar pelo empenho em avançar - é a chamada autorregulação - como para ajudar o docente a planejar intervenções em sala. Mas a forma como a autoavaliação foi aplicada não é a mais recomendável. É provável que a atividade tenha sido encarada como uma mera formalidade. Nesses casos, a tal "postura crítica" da turma é pouco mais que um apanhado de coisas que o professor espera ouvir: "Preciso bagunçar menos", "Tenho de respeitar os colegas", "Faltou estudar antes para a prova". Já aconteceu com você? 

Da lista de equívocos que se pode apontar no exemplo do parágrafo inicial (leia o quadro abaixo), o mais grave é a falta de acompanhamento e intervenção do professor. "Após o aluno refletir sobre o que e como aprendeu, o professor deve realizar um conjunto de ações para modificar o que está inadequado", afirma Leonor Santos, docente da Universidade de Lisboa, em Portugal, e especialista no assunto. "O objetivo é levar o estudante a confrontar seu desempenho com o que se esperava e agir para reduzir ou eliminar essa diferença."
Os principais equívocos na autoavaliação
- Deixar o aluno dar a sua própria nota
É algo que nada acrescenta à aprendizagem. Ainda que seja adequado esclarecer os conceitos que justificam a nota, estabelecê-la é tarefa que cabe apenas ao professor. 

- Fazer perguntas genéricas
Questões como "O que você aprendeu nesse semestre?" e "Como avalia sua aprendizagem?" dão margem a respostas vagas. Quanto mais específicas as indagações, mais o estudante consegue se focar no que precisa avançar naquele momento. 

- Dizer os resultados sem comentar
Não adianta arquivar tudo sem se deter no que foi observado pelos alunos. A autoavaliação serve como uma maneira de promover a autorregulação. Especialmente no início, o professor tem um papel essencial nesse processo, debatendo as reflexões de cada estudante e mostrando as dificuldades que passaram despercebidas. 

- Deixar tudo para o fim do bimestre 
Definir um único momento para o aluno pensar em toda a sua caminhada torna a reflexão mais superficial. É preciso identificar quais pontos têm de ser melhorados e abordá-los de maneira objetiva ao longo de todo o aprendizado.
Saber o que o docente pensa ajuda o estudante a se avaliar
No início do processo, é provável que os comportamentos tendam a extremos, da rigidez à condescendência. O trabalho, aqui, é ajudar a construir um retrato mais próximo da realidade. A avaliação do professor ajuda o aluno a estabelecer parâmetros para refletir sobre se sua autoimagem está adequada. "Nesse processo, é preciso dialogar com o aluno sobre os critérios que balisaram sua escolha, debatendo possíveis divergências", diz Andréa Luize, coordenadora pedagógica da Escola da Vila, em São Paulo. 

Outra precaução diz respeito à natureza da autoavaliação. Para Leonor, não se deve misturar procedimentos, atitudes e conteúdos. É possível analisar separadamente cada um deles. No caso dos conteúdos, o ideal é abordar o que foi aprendido no encerramento da cada tema (leia o quadro abaixo), garantindo que haja tempo para correções. Tornar a reflexão constante é importante pela dificuldade, sobretudo nos anos iniciais da escolarização, de abordar o equívoco muito depois do ocorrido. Um aluno que erre um problema de divisão no dia anterior à autoavaliação tenderá a considerar o equívoco com mais atenção do que no fim do bloco de conteúdo. 

Para ajudar a turma a tomar as rédeas do próprio aprendizado, é possível lançar mão de vários tipos de autoavaliação. A modalidade escrita é a mais comum e serve para diversas finalidades - além de aferir conteúdos, é uma boa opção para trabalhar com procedimentos. Nesse caso, apostar em respostas discursivas é uma alternativa interessante. Na Escola da Vila, a turma de 4º ano é convidada a ler um livro mais longo e, em seguida, refletir sobre a tarefa com algumas questões: quanto você conseguiu ler? Como organizou a leitura: leu cada dia um pouquinho, tudo de uma vez, dividiu em capítulos? Que atitudes contribuíram para conseguir cumprir o prazo? O que você acha importante para dar conta de ler o próximo? No fim da atividade, a socialização das respostas ajuda cada um a descobrir novas estratégias e rever as suas. 

Quando a ideia é avaliar atitudes, a alternativa é criar uma ficha que possa indicar à garotada as evoluções ao longo do tempo. Em outro exemplo da Escola da Vila, dessa vez no 3º ano, itens sobre a postura em sala de aula - "Realizo as atividades com atenção", "Organizo a mesa para o trabalho", "Levanto a mão para falar" etc. - são avaliados em uma tabela de quatro colunas. Cada quadradinho é pintado de acordo com o desempenho individual: vermelho para "Consigo sempre", verde para "Consigo às vezes" e azul para "Nunca consigo". "O uso das cores é uma forma direta e rápida de o aluno perceber no que evoluiu e no que precisa melhorar", diz Andréa.
Aprendendo com a reflexão
A autoavaliação de aprendizagem de conteúdos exige que a garotada participe da definição de critérios e ações para avançar. Veja como os alunos de 3º ano da Escola da Vila analisaram a produção de biografias.
Descrição: Foto: Rodrigo Erib
Foto: Rodrigo Erib. Clique para ampliar
1 - Exposição dos conteúdos 
Deixar claro para a turma o que será avaliado é essencial para que ela tome conhecimento do que aprenderá. É preciso deixar a proposta de trabalho explícita e, durante as aulas, retomar o que foi apresentado. 
2 - Definição dos critérios 
O ideal é que os itens avaliados sejam escolhidos pelos alunos e pelo professor. Isso pode ser feito em um debate após a parte expositiva, em que o docente considera as opiniões da classe e aponta outros aspectos não notados. 
3 - Dupla reflexão
Primeiro, o aluno reflete para preencher sua parte. Num segundo momento, o professor o avalia seguindo os mesmos critérios. As divergências e os pontos fracos indicados por ambos devem ser considerados no encaminhamento de melhorias. 
4 - Plano de ação 
Com as duas avaliações feitas, cabe ao professor propor o debate de alternativas para que o aluno avance. Não adianta querer resolver todos os problemas de uma vez: é preciso focar o essencial e retomar o que ficou faltando nas aulas seguintes.
Prática pode ser adotada mesmo com turmas da pré-escola
Como olhar para a própria atuação exige maturidade, é natural que nas etapas iniciais de escolarização as crianças tenham mais dificuldade para participar do processo de reflexão. Mas a idade não deve servir de desculpa para abandonar a prática. Em pesquisas com crianças de 5 anos, Leonor Santos constatou que os pequenos são, sim, capazes de se autoavaliar, identificando seus pontos fortes e o que precisa ser melhorado. Na Educação Infantil, os momentos de reflexão são basicamente realizados por meio da oralidade, em rodas de conversa ou de combinados. As questões procedimentais e atitudinais são as que costumam demandar mais atenção. A postura da criança, a organização do material e a relação com os colegas são os principais pontos de discussão nessa idade, já que os pequenos apenas começam a se reconhecer no papel de estudantes. 

Além das autoavaliações orais e escritas, outras formas de favorecer a reflexão são os portfólios - privilegiando sobretudo os critérios de escolha dos trabalhos - e até vídeos. 'Depois de um seminário do 2º ano, convidei os alunos a assistir a uma gravação da apresentação. A atividade deu o distanciamento para ajudá-los a notar os pontos em que deveriam evoluir", relembra Andréa. 

Qualquer que seja o tipo de autoavaliação escolhido, uma etapa não pode faltar: o encaminhamento de ações concretas para atacar os pontos fracos mostrados na autoavaliação. Se o conteúdo ficou mal entendido, é preciso retomar a lista de exercícios ou preparar uma aula de recapitulação dos pontos obscuros. Se o problema é a falta de método para estudar, pode-se combinar uma semana de acompanhamento conjunto das tarefas de casa - e assim por diante. Aos poucos, os alunos passam a interiorizar esse controle, assumindo a regulação que a princípio é feita pelo docente. Assim, a autoavaliação cumpre seu papel.
 Quer saber mais?
CONTATOS
Andréa Luize
 
Escola da Vila, tel. (11) 3726-3578
Leonor Santos

BIBLIOGRAFIA
 
Avaliação: da Excelência à Regulação das Aprendizagens entre Duas Lógicas
, Philippe Perrenoud, 184 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 46 reais 

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